contador de visitas

domingo, 12 de junho de 2011

A ARTE PRIMITIVA

Pinturas na caverna de Chauvet: Arte primitiva mesmo

Magníficas pinturas de 20.000 anos de idade, encontradas na caverna de Chauvet, no sul da França, estão deixando os arqueólogos e antropólogos em estado de graça. É a maior descoberta de pintura rupestre dos últimos 50 anos.

por Flávio Dieguez

Não se via tanto entusiasmo desde 1942, quando foram achadas as pinturas da caverna de Lascaux, a “Capela Sistina da pré-história”. É que ela ganhou uma grande rival, a caverna de Chauvet, em Vallon-Pont-d’Arc, no sul da França. Que foi encontrada em dezembro. O caçador de cavernas Jean Chauvet resolveu explorar uma brecha na rocha e acabou numa rede de galerias.
“Nunca vi nada igual”, diz o francês Jean Clottes, responsável científico pelo estudo do tesouro. São mais de 300 imagens que apresentam muitas novidades. Cai, entre outras coisas, o predomínio que os animais de caça, como bisões, tinham em todas as cavernas conhecidas. Em Chauvet, há feras para todo lado: ursos, panteras, hienas e dezenas de rinocerontes peludos. Hienas nunca apareciam, e rinocerontes, só em três desenhos já descobertos. Novas pistas atiçam o apetite investigativo dos cientistas.
“Vamos aprender muita coisa”, disse por telefone a SUPER a antropóloga Margaret Conkey, da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos . É o que pensa a maioria dos pesquisadores, garante também Allison Brooks, antropólogo da Universidade George Washington. A esse consenso, junta-se outro: a de que os pintores do passado não devem nada aos atuais. SUPER checou com o artista plástico Luiz Paulo Baravelli. “Eles deixaram uma obra da maior qualidade”, confirmou.
As pinturas não são a única fonte de dados sobre o passado. Pegadas humanas, tocos que lembram pincéis, instrumentos de pedra e restos de tochas cobrem o chão das galerias decoradas. “São informações preciosas”, afirma a antropóloga Margaret Conkey, interessada em desvendar a organização social dos pintores. Mas terá de esperar: durante um ano, a porta de aço instalada na caverna ficará fechada. Só a equipe de Jean Clottes terá acesso, encarregada de preparar a conservação das imagens, que já são hoje as mais bem preservadas entre todas as cavernas conhecidas. “Continuam como foram criadas”, escreveu, por fax para SUPER, o francês Jean Clottes. Ele esclareceu que a idade das pinturas, de 20000 anos, vai ser reexaminada. Ela foi estimada de acordo com o estilo. “A prioridade, agora, é conservar a caverna”, reafirmou Clottes. “O seu estudo, certamente, vai demorar muitos anos.”
Claro: é impossível saber, com exatidão, quem foram os pintores da caverna de Chauvet. Mas a idade estimada dos desenhos, 20000 anos, é um bom indício para se ter uma boa idéia sobre eles. O homem europeu nessa época construía casas cônicas, cobertas com peles de animais, fazia instrumentos de pedra refinados e também trabalhava em osso, marfim e madeira.
Os donos dessa tecnologia são chamados solutrenses. Solutrense é o nome da penúltima grande fase da pedra lascada (cultura lítica) desenvolvida pelo Homo sapiens na Europa. A mais antiga cultura lítica do sapiens no continente europeu é o aurignacense. Ela se prolonga de 35000 a 25000 anos no passado. Em seguida, vêm a gravettiana (de 30000 a 20000 anos), a solutrense (de 25000 a 18000 anos) e a magdalenense (de 18000 a 10 000 anos).
Allison Brooks fez para a SUPER um balanço da trajetória inicial desses povos: “Datações recentes indicam que os aurignacenses se estabeleceram primeiro nas regiões centrais da Europa. Daí foram para o norte da Itália, perto da Espanha, e só então chegaram à França e à Alemanha”. Na França e na Espanha, os aurignacenses são substituídos pelos gravettianos e estes, por sua vez, cedem lugar para os solutrenses.
A arte custou um tempo enorme para ser inventada. Demorou algo em torno de 60000 anos. A conta é feita da seguinte forma: do ponto de vista anatômico, o homem moderno tem pelo menos 100000 anos. O problema é que, durante a maior parte desse tempo, ele permaneceu na África ou no Oriente Médio. E, nesses lugares, aparentemente, não houve uma explosão artística, nos moldes da que aconteceu na Europa, há 40000 anos.
Por que tanta demora? A arqueóloga Olga Soffer, da Universidade de Illinois, nos Estados Unidos, responde à pergunta desconversando: não existe ainda uma explicação. Como muitos outros cientistas, Olga acredita que a arte foi uma conseqüência natural da evolução das sociedades primitivas. Elas se tornaram maiores, reunindo populações cada vez mais numerosas. Sua tecnologia ficou mais sofisticada e as trocas comerciais eram feitas com freqüência crescente. Tudo isso serviu para abrir a cabeça dos homens, raciocina Olga. Sociedades maiores, mais complexas, dependem muito da comunicação. E arte é comunicação do mais alto grau. “Estou convencida de que as pinturas têm a ver com os contatos entre os grupos que precisavam se comunicar e, a partir de certa época, esses encontros se tornam muito comuns.”
As pinturas das caverna foram uma revolução cultural que aconteceu na Europa, há cerca de 40 000 anos. Mas as suas raízes estão enterradas na África, e começaram a crescer há mais de 100 000 anos. Foi nessa época, provavelmente na região da Etiópia, que o Homo sapiens surgiu. Até onde se sabe, ele não estava ainda ligado à arte. A sua cultura consistia numa grande habilidade para lascar a pedra e fazer machados, lâminas para raspar (couro ou madeira) e pontas agudas, usadas como armas. De fato, a palavra “cultura”, na pré-história, refere-se às diversas técnicas de se lascar a pedra.
A técnica usada pelo sapiens africano define uma cultura conhecida como levalloisense. Era muito superior à cultura anterior, o acheulense, criada pelo Homo erectus.O erectus se espalhou também pela Europa e desapareceu há cerca de 500000 anos. Se, na África, sua cultura foi substituída pelo levalloisense, na Europa deu lugar ao mousteriano, uma cultura associada ao homem de neandertal. Aí, na Europa, ocorreram as quatro etapas seguintes da evolução do homem, com o surgimento do Homo sapiens a: com a invenção de novas técnicas de lascar a pedra. Batendo pedra contra pedra, a humanidade aprendia a esculpir. Um pouco mais adiante, aprenderia a pintar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário